quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Sempre sonhou em ter um sítio? Não precisa mais: na Sta. Julieta Bio é possível ser “sócio” da produção

Fonte: Projeto DRAFT
Priscilla Santos - 19 de novembro de 2018





Rafael Coimbra fala como largou uma agência de publicidade para produzir cestas de alimentos livres de agrotóxicos em um sistema colaborativo e com compradores conscientes do propósito do negócio (foto: Daniel Ferreira).

Uma conexão entre economia colaborativa, sustentabilidade e comer como ato político. Esta é uma maneira de resumir a empreitada do paulistano Rafael Coimbra, 33, à frente da comunidade de produção de alimentos orgânicos Sta. Julieta Bio desde janeiro de 2017. Localizada em Santa Cruz da Conceição (SP), a cerca de 200 quilômetros da capital, a fazenda de lazer da família teve parte de seus lotes ocupados pela plantação de alimentos sem agrotóxicos e certificados pelo Instituto Biodinâmico (IBD).

Atualmente, as folhas e frutos da época são vendidos em cestas para 201 famílias de seis cidades do estado — a capital, Leme, Pirassununga, Araras, Porto Ferreira, além da sede da fazenda. Os valores mensais vão de 115 a 240 reais, conforme a localidade e o tamanho (P, com cinco ingredientes, ou G, com nove). Mas o negócio vai muito além do convencional delivery de orgânicos em domicílio.

A começar pelo fato de que a entrega não é feita em casa, mas sim em um local único pré-combinado, onde as pessoas vão retirar as cestas, cujos itens elas só conhecem cerca de três dias antes. São basicamente eleitos os alimentos com “mais vitalidade” da colheita da semana. O intuito de todos irem para a retirada é prover o encontro entre produtores e co-produtores (mais do que consumidores, os usuários são vistos como parceiros de negócio).

Isso porque a Sta. Julieta Bio segue o sistema de CSA (do inglês, Community Supported Agriculture ou comunidade agrícola sustentada, em tradução livre). Os interessados iniciam sua relação com a fazenda assinando um termo em que prometem pagamentos mensais adiantados, preferencialmente por períodos semestrais ou anuais, embora seja possível sair da comunidade a qualquer momento (basta avisar com uma semana de antecedência).

A cada troca de estação, os membros são convidados para uma visita à fazenda, onde há apresentação dos investimentos feitos, os plantios que vão ser finalizados e iniciados — respeitando-se a época das estações — além de um café da manhã de confraternização e atividades educativas e de plantio para crianças e adultos. Quem quiser ver as contas, checar a folha de pagamento e carteira de trabalho dos funcionários também pode se sentir livre para pedir.

Assim, mais que consumidores, é como se os participantes fossem co-proprietários da fazenda, em uma forma de compartilhamento da terra. “Para um futuro mais consciente, precisamos mudar a maneira como consumimos. Isso já está acontecendo com o entretenimento, via Netflix, com as casas, no AirBnb, e com o deslocamento nas cidades, com o Uber. O CSA é você plantar o seu alimento sem ter uma fazenda”, afirma Rafael.

Não basta, no entanto, abrir um aplicativo e clicar em comprar para um cesto de cenouras aparecer em meia hora na sua porta. O envolvimento é mais profundo, sempre seguindo a disponibilidade dos interessados. O fundador fala mais a respeito:


“O usuário pode viver esse universo, acompanhando a rotina de trabalho da fazenda. Pode ir lá plantar, levar os filhos, ter essa relação com a terra, mas sem ter a terra”

A vantagem para o agricultor é a tranquilidade de que sua produção está paga e que o tempo dele — em vez de ser desperdiçado correndo atrás de comercialização, cobranças e afins — é gasto apenas em trabalhar na terra. Com o pagamento adiantado, a fazenda também consegue planejar novos investimentos, como a compra de ferramentas e de um carro refrigerado, usado nas entregas. Porém, a opção pelo CSA não foi algo simples. Antes, Rafael precisou dar uma guinada na vida.

UM PULO: DO MUNDO DIGITAL DIRETO PARA A TERRA

Nascido em uma família com tradição no plantio de café, ao contrários dos irmãos, Rafael não havia se interessado em trabalhar na empresa do clã, que ainda se mantém na indústria cafeeira. O que herdou do avô — um dos pioneiros na comercialização dos grãos com a China — foi o tino empreendedor.

Os produtores da Sta. Julieta Bio privilegiam os ingredientes de maior vitalidade colhidos na semana. Uma caixinha de surpresas para quem compra (foto: Daniel Ferreira).

Quando se formou em Publicidade e Propaganda pela FAAP, ele trabalhou em agências e chegou a abrir a própria, de monitoramento de redes sociais. O experimento com a terra só veio anos depois: “Se você tivesse sentado comigo aqui nessa mesa dez anos atrás, eu seria outro. Com 40 quilos a mais, problemas para dormir e olheiras”, diz à reportagem.

Após uma consulta em que ouviu do médico “não sei o que você está fazendo na vida, mas mude”, Rafael buscou uma alimentação mais balanceada e se interessou pelos orgânicos. Deixou os clientes na agência e seguiu com os planos. Vale destacar que o fato de atender duas marcas de adoçante e uma de chá verde, que também continha adoçante, entre outros químicos, foi mais um empurrãozinho para mudar.

Nesse entremeio, assumiu um posto na empresa de café da família e passou a frequentar feiras de orgânicos, assinar uma cesta de alimentos semanal da Fazenda Santa Adelaide, conversar com produtores e visitar sítios. Foi oferecendo carona em uma dessas viagens que ele conheceu Ana Letícia Sebben, 32, hoje co-gestora da Sta. Julieta Bio. Ele conta:

“Já não estava mais preocupado só comigo, mas com a pegada de carbono do que comia, com o quanto de água tinha sido gasto no plantio, a remuneração dos trabalhadores etc.”

Ele prossegue: O ato de comer já era muito mais profundo e pouca gente ao meu redor entendia isso”. Um dia, ao abrir o livro Em Defesa da Comida, de Michael Pollain, Rafael se deparou com a frase: “Cozinhe. Se puder, plante uma horta”. Fechou o livro, pegou o carro e dirigiu até a fazenda Santa Julieta, levando, em uma sacola, um punhado de legumes orgânicos que havia comprado no mercado. “Quando desci do carro, naquele pôr do sol alaranjado e olhei para aqueles tomates no porta-malas, pensei que aquilo não tinha sentido. Resolvi, então, fazer uma horta”, diz. No dia seguinte, chamou o administrador da fazenda e deu início ao projeto, com o investimento inicial de 44 mil reais.

Hoje, após o aporte de 270 mil reais, a fazenda tem três principais plantações orgânicas. Além da horta original, em formato de mandala, seguindo os preceitos da permacultura, há uma agrofloresta (tipo de plantio em que produtos agrícolas são cultivados lado a lado de árvores frutíferas e não frutíferas, como forma de recuperar solos degradados). Os eucaliptos (normalmente demonizados, mas só problemáticos em monoculturas) têm raízes que chegam a seis metros de profundidade e capturam água de lençóis freáticos quando não chove. “Assim, não precisamos de sistema de irrigação nenhum nesse plantio”, diz. As folhas são cortadas e lançadas ao solo, como adubo, mimetizando o que ocorre em uma floresta naturalmente.

Agrofloresta em área separada do CSA. O plantio de árvores frutíferas e não frutíferas na Sta. Julieta Bio é uma estratégia para recuperação do solo (foto: Daniel Ferreira).

A agrofloresta foi implementada com o auxílio de Richard Charity, consultor em sistemas agrícolas sustentáveis e cadeias de produção regenerativas. Foi ele, também, quem ajudou a selecionar o terceiro terreno para plantio na fazenda e falou para Rafael, pela primeira vez, sobre o sistema de comunidade agrícola sustentada.

A sigla CSA surgiu em meados dos anos 1980, nos Estados Unidos, com a proposta levada por produtores europeus que seguiam a agricultura biodinâmica e distribuição baseada na co-produção desde a década anterior. Mas são os japoneses os verdadeiros “inventores” dessa história, em um movimento denominado Teikei, que inclui atualmente 20 milhões de pessoas no país (mais de 1/4 da população). “Os Teikei surgiram por uma preocupação das donas de casa japonesas com segurança alimentar”, diz Rafael.

Hoje, a rede internacional de CSAs conta com cerca de 2 milhões de membros. No Brasil, a ideia começou a ser implementada nos anos 2000, no Nordeste. Richard foi um dos criadores de um CSA no Ceará, que se mantém ativo até hoje. “Quando ele me falou do conceito, fiquei com receio. Em São Paulo, as pessoas querem facilidade, comodidade, receber em casa. Nesse sistema, não se escolhe o que vem na cesta, o cliente precisa fazer a retirada e ainda tem a relação com produtor. Mas pensei: se essa é uma opção para não ser o orgânico que não quero ser, com atravessadores, vamos tentar.”

COMO COMUNIDADE, RISCOS E PROBLEMAS TAMBÉM SÃO COMPARTILHADOS

O primeiro grupo de CSA da Sta. Julieta Bio, com cerca de seis membros, surgiu em junho de 2017, na cidade de Leme (a cerca de dez quilômetros da fazenda). A proposta começou em um restaurante saudável da cidade, após uma palestra sobre orgânicos para cerca de 60 pessoas. Alguns moradores levantaram a mão, dizendo que queriam fazer parte de uma comunidade assim. O ponto de distribuição passou a ser a garagem da casa de um dos membros — algo semelhante ao que acontece hoje com a comunidade da Vila Olímpia, na capital paulista, onde existe até um membro do grupo, um advogado, que se voluntaria na entrega das cestas em seu horário de almoço.

“Nos primeiros encontros, não ia quase ninguém. Foi quando resolvemos procurar um público com quem sabíamos falar a mesma linguagem e apareceram as surpresas”, diz Rafael. Ele comentou com a professora de yoga sobre o projeto e daí começaram uma série de experimentos de co-produção e distribuição, tendo como ponto de encontro inicial a escola de yoga. Primeiro, tentaram desenvolver um aplicativo que conectasse produtores e consumidores. Depois, resolveram fazer um teste com um grupo de mães praticantes de yoga, que serviram como beta testers, não apenas dos alimentos, mas do sistema CSA como um todo.

Até que, enfim, chegaram ao jardim de infância Quintal do João Menino, na Vila Madalena. Conversaram com a diretora, fizeram uma palestra inicial explicando a proposta para os pais e teve início a primeira comunidade em São Paulo, que segue na ativa. Hoje, alguns dos 201 membros da Sta. Julieta Bio já fazem pagamentos adiantados de três, seis meses e até um ano, justamente por entenderem a fundo a proposta. Mas isso não é obrigatório. Rafael diz:

“Entendemos que existe certa resistência a compromissos de longo prazo no Brasil. Por isso, não pressupomos prazos maiores que um mês no termo de adesão das cestas”

Ele continua: “Temos que funcionar com cabeça de startup, no sentido de que estamos começando um mercado novo”. Os riscos também são compartilhados. Se houver uma geada e toda uma produção de tomates for perdida, por exemplo, as pessoas precisam entender.



Encontro na Sta. Julieta Bio entre produtores e co-produtores a cada virada de estação, com café da manhã de confraternização, apresentação de investimentos e planejamento de plantios (foto: Daniel Ferreira).

E os percalços acontecem. Desde os da natureza (porcos e javalis já atacaram a plantação de mandioca e batata doce, o excesso de chuva prejudicou a aparência das cebolas) passando pelas tentativas e erros de um empreendedor que tem experiência em negócios, mas não em agricultura.

Já houve plantios que não deram certo, como da couve-de-bruxelas, que não se adaptou às condições locais. Mesmo assim, Rafael agora tenta plantar pêssegos e figos, que também costumam ser importados.

Sem contar a epopeia com grão-de-bico, leguminosa que o fundador não entendia porque nunca encontrava orgânico, se era um alimento como o feijão, tão comum por aqui. “Achamos uma semente de grão-de-bico desenvolvida pela Embrapa e insisti muito para que o cientista me enviasse uma amostra para teste. No dia do meu aniversário, chegou uma caixa com as sementes. Fizemos o primeiro plantio, colhemos, tudo perfeito”, fala. Aí, avisaram às pessoas da comunidade, fizeram lista de espera de interessados, conseguiram mais sementes, plantaram, mas acabaram perdendo a produção toda por uma falha no calendário…

O PRINCIPAL ADUBO PARA UM CRESCIMENTO SAUDÁVEL É O DIÁLOGO

Essas questões são resolvidas com a comunidade com muito diálogo, ao vivo ou por WhatsApp. Os atropelos são comunicados e, normalmente, compensados com envio de um produto diferente ou aumento de quantidade de algo que já fosse da cesta. Além dos avisos e comunicados da previsão de colheita para a semana seguinte, os grupos são usados para trocas de receitas entre os membros e tomada de decisões conjuntas, como passar a devolver a caixa de papelão em que vêm os produtos para ser reutilizada.

Após os custos com as embalagens serem abertos, os próprios membros tiveram a ideia de devolver o material e ainda passaram a enviar caixas de tamanhos similares que tinham em casa para serem utilizadas. Quando foi anunciado, por exemplo, que havia tomates “feinhos” em uma semana, foi proposto compensar o item da cesta com outro produto, mas a maioria disse que os receberia assim mesmo, como conta Rafael:

“Os co-produtores sabem que sua escolha alimentar é uma escolha política. Eles estão ‘votando’ em nós em vez de dar seus subsídios para grandes organizações”

Os planos para o futuro incluem ampliar a produção e, assim, conseguir recuperar o investimento, o que está previsto para 2022. A meta é vender 400 cestas semanais — hoje são 200 (com faturamento mensal de 35 mil reais). E as expectativas são positivas, visto que o projeto saiu de seis para 201 co-produtores em um período de 15 meses. Agora, para duplicar a renda, será preciso aumentar a área de produção. Há também testes com ferramentas novas para roçar a terra ou cortar folhas finas e delicadas, o que pode acelerar processos.

“Existem exemplos de CSA fora do país que lucram de 60 a 100 mil dólares por acre anualmente. Temos certificados 30 hectares, mas de plantação, de fato, hoje são apenas três. Ainda dá para expandir muito dentro da fazenda e acreditamos que vamos escalar quando conseguirmos passar esse modelo para outros produtores”, diz o empreendedor. Ele já recebeu convites de associações agrícolas para a implementação de projetos similares, mas ainda não se sente preparado para esse passo: “Achei que ainda estava um pouco verde para isso”, afirma Rafael, pedindo perdão pelo trocadilho.

DRAFT CARD
Projeto: Sta. Julieta Bio
O que faz: Plantação e venda de orgânicos
Sócio(s): Rafael Coimbra
Funcionários: 11
Sede: Santa Cruz da Conceição (SP)
Início das atividades: Janeiro de 2017
Investimento inicial: R$ 44.000
Faturamento: R$ 35.000 por mês
Contato: tanaepoca@stajulieta.bio




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