quinta-feira, 11 de julho de 2013

Quando a palavra ‘queijo’ vira um problema semântico e o relato de uma visita a uma fábrica de parmigiano reggiano

Publicado por abrindoadespensa em Uncategorized
Eu tendo a acreditar que várias coisas que atualmente são abominadas por ‘fazerem mal à saúde’ são, na verdade, vítimas de ciência mal-executada e da perda de processos tradicionais de produção. Este seria o caso de pães, ovos e queijos, só para citar alguns exemplos. Como comparar o valor nutricional de pães de fermentação lenta e farinha orgânica, como os lindos pães preparados pela Ana Elisa, do delicioso blog La Cucinetta, com os onipresentes sacos de pães de forma industrializados, invariavelmente produzidos a toque de caixa? São todos da família dos carboidratos? Sim. Mas será que nossos organismos os processam da mesma forma? O mesmo pode ser questionado em relação aos ovos, os grandes vilões da onda do ‘colesterol alto’. Será mesmo que um ovo produzido por galinhas de quintal merece tantas recomendações contra seu consumo?
O caso dos queijos não é diferente. Frequentemente abominados em função do ‘alto teor de gordura’, muitos tendem a colocar a infinidade de produtos nos supermercados vendidos sob o rótulo de ‘queijo’ dentro do mesmo saco. Isto é, tratam como se todos esses ‘queijos’ fossem mais ou menos a mesma coisa (com exceção do queijo branco, que costuma ser visto com melhores olhos por conter menos gordura). Mas será que faz sentido esse tipo de tratamento, até certo ponto generalizado, dado aos queijos?
Entrada da Cooperativa Casearia Valtiepido, em Maranello, região da Emilia-Romagna, Itália. Foto: acervo pessoal.
Há uns dois anos, durante uma ida à Itália para ver a família do marido, tivemos a oportunidade de visitar uma fábrica de um dos queijos curados mais famosos do mundo: o parmigiano reggiano. O marido é do sul da Itália, mas resolvemos passar uns dias na região da Emilia-Romagna, no norte do país. Para quem não sabe, é a região onde fica a cidade de Parma e, consequentemente, a região que deu origem ao queijo parmigiano reggiano. Ficamos hospedados na cidade de Bologna, que é uma graça e por si só já vale a visita. Mas não poderíamos deixar de tentar visitar uma das fábricas de parmigiano da região. Um consórciocontrola as fábricas do parmigiano autêntico. Durante a visita à Cooperativa Casearia Valtiepido, parecíamos duas crianças em um parque de diversões! Pudemos ver todas as etapas do processo de produção do queijo e terminamos a visita maravilhados com a experiência. É tudo super controlado, desde a produção do leite utilizado na fabricação do queijo, incluindo a alimentação das vacas leiteiras, até a higienização do maquinário e o tempo gasto em cada etapa de produção*. No início da visita, havíamos dito à guia que éramos pesquisadores, mas não comentamos de qual área. No final, havíamos feito tantas indagações que a moça perguntou se éramos pesquisadores da área de alimentos!**
Uma das etapas iniciais na produção do parmigiano reggiano. Foto: acervo pessoal.
Rodas de parmigiano já prontas. Foto: acervo pessoal.
Outros exemplos interessantes de queijos produzidos sob métodos tradicionais são os retratados em uma recente edição do programa Mundo S/A, da GloboNews. O programa trata de dois queijos artesanais brasileiros: o queijo orgânico da Fazenda Nata da Serra, em Serra Negra (SP), o primeiro queijo orgânico do Brasil, e o queijo do senhor Zé Mário, da Fazenda da Canastra, em São Roque de Minas (MG), produzido da mesma maneira há 200 anos. Vale a pena assistir ao programa.
Tanto no caso do parmigiano reggiano, como no caso dos queijos artesanais brasileiros, não há dúvida de que estamos lidando com produtos que devem genuinamente ser chamados de queijo. É justo, então, também chamar de queijo os itens produzidos em massa, muitas vezes cheios de corantes e estabilizantes artificiais? Ou, ainda pior, o que dizer de ‘queijos’ processados, como aquele quadradinho, embalado no papel alumínio, ou as famigeradas fatias embaladas individualmente, tão populares aqui nos EUA, mas já disponíveis no Brasil há alguns anos?
Se ainda resta alguma dúvida de que nem todos os queijos devem ser colocados no mesmo saco, isto é, nem todos os queijos devem ser evitados com o argumento de que ‘fazem mal à saúde’, recomendo darem uma olhadinha na lista parcial de ingredientes de um dos produtos de uma grande marca brasileira:
Ingredientes: Leite reconstituído, queijo tipo Estepe e/ou queijo Danbo e/ou queijo Prato (leite pasteurizado, fermento lácteo, sal refinado, coalho, cloreto de cálcio, corante natural de urucum e conservador nitrato de sódio), queijo processado UHT sabor cheddar (leite reconstituído, queijo tipo Estepe e/ou queijo Danbo e/ou queijo Prato, queijo processado UHT sabor cheddar, água, leite em pó desnatado, leite concentrado resfriado semi-desnatado, manteiga, amidos, concentrado proteico de soro, cloreto de sódio (sal), caseinato de sódio, extrato de levedura, aroma natural de queijo Cheddar e aroma idêntico ao natural de queijo cheddar, estabilizantes polisfosfato de sódio e citrato de sódio, espessante goma carragenina, reguladores de acidez ácido cítrico e ácido acético, corante natural beta-caroteno e conservador ácido sórbico), etc. [reprodução a partir do website da marca]
Desconfio que os funcionários da Coop Casearia Valtiepido e o senhor mineiro Zé Mário não têm a menor ideia do que seja pelo menos metade dos ingredientes da lista acima! ☺
* As fábricas do parmigiano autêntico fazem parte de um consórcio. Para agendar uma visita, é preciso ligar para a central do consórcio. Eles então avisam qual fábrica está com visita programada e cuidam do agendamento. Por coincidência, a fábrica que nos ofereceram para visitar fica na cidadezinha de Maranello, nada menos que a sede da Ferrari. Como eu e o Vincenzo somos dois obcecados por comida e não damos a menor bola para carros e marcas, não chegamos nem perto do Museu da Ferrari.
** Para quem não sabe, nossos doutorados são em áreas que não têm absolutamente nada a ver com alimentação.
* Edição em 20 de maio de 2013 *
Para quem está em São Paulo: não deixe de visitar A Queijaria, recém-inaugurada loja especializada em queijos artesanais brasileiros.

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