15/10/2018 - 13h56min
THE NEW YORK TIMES
Berlim – Com a habilidade natural de um chef que comanda a cozinha de um restaurante estrelado pelo guia Michelin, Patrick Wodni rapidamente reuniu os ingredientes de que necessitaria para fazer o prato do dia, uma torta de cebola. Dessa vez, porém, em vez de colocar tudo em sua tigela de aço inox favorita, despejou o creme azedo, os ovos, o cominho, o feno-grego, o pimentão vermelho e o açafrão em uma cuba de proporções industriais e misturou tudo com as mãos.
"Normalmente você acompanharia isto aqui com um bom copo de Riesling, mas, infelizmente, estamos em um hospital", disse Wodni, 29 anos, com o aroma dos temperos se espalhando pelo ambiente para se misturar ao perfume das cebolas refogadas que saía da estufa.
Mesmo sem a harmonização do vinho, a maioria dos pacientes e funcionários do Havelhöhe, em Berlim, é
unânime em afirmar que os pratos de Wodni são muito mais saborosos que a comida típica de hospital. Como parte de um experimento atípico – que o fez abandonar o posto em um dos restaurantes mais badalados da cidade –, o hospital substituiu suas milanesas padrão por legumes e verduras orgânicos, carne de vacas criadas em pasto e peixes de um criadouro ecologicamente consciente.
Muitos hospitais e clínicas médicas simplesmente esquentam as refeições congeladas que compram fora, mas Wodni, que combina uma atitude gentil com uma propensão para os xingamentos, mostra que é possível melhorar a qualidade da comida oferecida aos pacientes mantendo os preços baixos.
E ele não para por aí; espera que esse projeto seja o primeiro passo para transformar a forma como escolas e hospitais preparam e compram os alimentos. "Na verdade, queria ver a mudança chegar às práticas agrícolas, aumentando a demanda por solos saudáveis e uma produção orgânica e regional, de menor escala", explica.
"Logo no início, analisei bem o orçamento para ver o que podia ser feito com o que tínhamos", conta Wodni, logo de manhã na cozinha grande, meio antiquada, mas perfeitamente funcional do hospital. Parando para dar uma mordida na cenoura da horta orgânica comunitária que fica no mesmo quarteirão (como até a pele era docinha, ele pediu ao aprendiz que nem se desse ao trabalho de descascar), Wodni explicou que, mantendo os padrões do setor, o Havelhöhe gasta 4,74 euros (cerca de US$5,50) em alimentação por pessoa.
E, segundo ele, esse valor parece mais desqualificativo do que na verdade é. "Eu não conseguiria comer bem com tão pouco, mas quando se prepara 500 refeições por dia, dá para ajustar a proporção."
Sua primeira medida foi suspender os pedidos da empresa que fornecia a maior parte da comida hospitalar. "Não dava para saber se era carne moída ou uma esponja picada", conta, balançando a cabeça.
Depois, apelando para os contatos que fizera trabalhando no cenário da alta gastronomia berlinense, procurou produtores orgânicos locais, padeiros, açougueiros e criadores de peixes de água doce sustentáveis. Em sete meses, o hospital passou a se servir de seis atacadistas, e não mais três, como anteriormente, além de nove produtores.
"Meu principal objetivo com isso foi criar uma relação comercial local direta entre os agricultores, horticultores, padeiros e piscicultores com o hospital", explica Wodni, que confessa ter abdicado do veganismo quando percebeu que a inveja que sentia dos sanduíches de queijo dos outros estava tornando-o uma pessoa desagradável.
"O impacto de trabalhar diretamente com o produtor vai muito além de uma questão econômica. Obter ingredientes de qualidade, na verdade, é a parte mais importante do meu trabalho", prossegue, mostrando com os olhos as pilhas vistosas de acelga de talo colorido, salsão, rabanetes vermelhos, cebolinha e tomates de todos os formatos.
"Se você tem uma cenoura ruim na mão, não dá para fazer nada com ela", usando um palavrão para dar ênfase ao "ruim". "Já uma cenoura saborosa, não precisa de muito preparo. Por que cozinhar legumes que são gostosos crus?", questiona.
A seguir, ele começa a moer espelta e centeio, além de preparar o próprio queijo. "Tudo o que for possível fazer a partir do zero, nós fazemos. É uma questão de opção, de mudar de dentro para fora", ele completa, tirando um vidro de limões e limas marinando há três meses com cravo-da-índia e folhas de louro para usar no preparo do molho do peixe do dia.
Nem todo mundo no hospital ficou completamente satisfeito. Muita gente reclamou, por exemplo, da decisão de Wodni de reduzir drasticamente a quantidade de carne servida – que costumava ser duas vezes por dia, e passou para três vezes por semana, mais o peixe das sextas-feiras – substituindo-a por opções como grão-de-bico e cuscuz marroquino.
"No geral, a comida é muito boa, mas podia ter mais carne. E mais molhos", opinou o paciente cardíaco Waldemar Lichtneckert, em entrevista recente para a TV, quando perguntado sobre o novo cardápio.
Conforme ia fatiando o peixe em porções uniformes, guardando os restos para fazer um caldo, ele contou que agora que o programa do Havelhöhe tinha sido instaurado e estava funcionando bem, ele ia deixar a função do preparo diário para se dedicar à supervisão. Isso também porque sua mulher, que é historiadora da arte, fora contratada para trabalhar a uma boa distância dali, na região de Eifel, periferia de Colônia, onde o casal mora com outras famílias em uma comuna estabelecida em um castelo antigo.
A mudança também se adequa à sua ambição de promover reformas além dos limites do hospital. Wodni está em negociação com várias instituições públicas, tentando convencê-las a melhorar a qualidade de sua comida; além disso, é também o "curador gastronômico" de um festival de Berlim cujo lema este ano é: "Comida boa para todos!".
"Acho que sempre fui um crítico da sociedade. Se você cria demanda por produtos bons, acho que há um potencial enorme para a mudança", filosofa durante uma pausa breve, antes de ser chamado pelo pessoal da cozinha para fazer mais arroz para o almoço dos pacientes.
Por Sally McGrane
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