Publicado em: setembro 22, 2018
A professora brasileira Cecília Rocha, da Universidade de Ryerson, no Canadá, participou nesta semana de conferência sobre alimentação e agricultura na Ufrgs | Foto: Joana Berwanger/Sul21
Luís Eduardo Gomes
Qual é o efeito dos alimentos que ingerimos para a saúde? Qual é o impacto dos sistemas alimentares correntes para o corpo humano e para o meio ambiente? Esses foram alguns dos temas do painel que Cecília Rocha, professora de Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional na Universidade de Ryerson, localizada em Toronto, no Canadá, e pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança Alimentar da mesma universidade, apresentou em sua fala na Conferência Internacional Agricultura em uma Sociedade Urbanizada (AgUrb), realizada ao longo da semana que passou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre.
Cecília defende
que é preciso uma mudança no atual sistema alimentar, isto é, em toda a cadeia de alimentação, desde os modos de produção até a forma como as pessoas consomem os alimentos. Em termos de produção, ela defende a progressiva substituição do modelo tradicional, baseado na monocultura e com uso intensivo de agrotóxicos, para a agroecologia, baseada na diversidade de alimentos e na redução dos produtos químicos. “O Brasil é o campeão no uso de agrotóxicos e isso realmente tem que parar”, diz.
Na AgUrb, a professora brasileira radicada no Canadá elencou cinco impactos à saúde humana causados pelos sistemas alimentares: ocupacionais, isto é, para a saúde dos trabalhadores, mudanças alimentares, produção de alimentos não seguros, dietas que levam ao sobrepeso e à obesidade e insegurança alimentar e fome.
Ela elenca os produtos ultraprocessados como os grandes vilões da saúde, defendendo que é preciso que a sociedade e governos pactuem ações para combater o crescimento de seu consumo. Uma delas, seria atacar do ponto de vista do preço, uma vez que, por serem produzidos em larga escala, chegam com menores preços às prateleiras dos supermercados do que alternativas mais saudáveis, porém os custos reais do seu consumo acabam sendo pagos posteriormente.
“O preço que você tem entre o produto in natura e o saquinho de batata-frita, o produto ultraprocessado, nesses preços não estão incluindo nem os custos que o ultraprocessado tem para a sociedade, nem os benefícios que o produto in natura tem. Então, você precisa de políticas públicas para mudar essa relação de preço. Precisa de políticas públicas que falem que consumir essa quantidade de refrigerantes está criando problemas para a sociedade. Alguns países estão colocando impostos nesses produtos. O Chile criou um imposto para ultraprocessados, para ver se o preço desses produtos agora reflete o custo real para a sociedade. Quando você faz esse equilíbrio, os ultraprocessados vão começar a refletir aqueles custos adicionais”, diz.
A seguir, confira a íntegra da entrevista com Cecília Rocha.
Sul21 – Qual foi o principal tema da sua apresentação na conferência AgUrb?
Cecília Rocha: Faço parte de um painel internacional de especialistas em sistemas alimentares sustentáveis. Nesse painel, nós participamos da confecção de um relatório sobre como os sistemas alimentares estão impactando a saúde humana. As pessoas estão muito preocupadas com a questão do sobrepeso e obesidade, certamente um dos maiores impactos dos sistemas alimentares, porque impactam na questão das doenças crônicas não transmissíveis, que estão custando muito à saúde pública no mundo inteiro, além dos custos às pessoas e às famílias que têm esses problemas. Mas, o que a gente viu é que esse é só um dos aspectos de como os sistemas alimentares estão impactando a saúde humana. O que a gente fez foi olhar as evidências, os dados que se têm hoje, e vimos que tem cinco canais de impactos dos sistemas alimentares que a gente pode observar.
Um, que às vezes não é muito observado, mas que é muito importante, são as questões de como as pessoas são impactadas pelo trabalho. Os custos ocupacionais à saúde. Na agricultura, isso é muito grave. As pessoas são impactadas pelos efeitos de agentes químicos que são usados na agricultura. Também tem muitos problemas para pessoas que trabalham em restaurante, no processamento de alimentos. Outro canal de impacto que a gente vê são as mudanças ambientais. Então, a poluição do ar, da água, do solo, também afeta a saúde humana. Tem dados que dizem que o sistema alimentar é responsável por quase 30% dos gases atmosféricos que criam as mudanças climáticas que estão afetando a saúde das pessoas, como temporais mais agudos, mais sérios, desertificação.
Sul21 – Muito se fala da questão da pecuária.
CR: A pecuária é um dos maiores contribuidores para a maneira como estamos produzindo o alimento animal. Um terceiro canal de impacto é a questão dos produtos alimentares que não são seguros para consumo humano. Não só quando, por exemplo, você come um produto estragado, isso é uma coisa séria, mas produtos que têm agentes químicos estão criando alergias novas, estão criando problemas na flora intestinal. A quarta é a questão das dietas que estão levando ao sobrepeso e à obesidade. E a quinta questão, finalmente, é a insegurança alimentar e a fome, que continuam a ser um problema no século 21. Todos esses são canais que levam o sistema alimentar atual a impactar a saúde humana.
Sul21 – Muito do consumo de produtos altamente industrializados vem de comidas pré-prontas ou congeladas. Diz-se que em países da Europa e da América do Norte esses produtos até têm boa qualidade, incluem mais orgânicos, mas aqui são altamente industrializados. O nosso modo de vida nos leva a esse tipo de comida. Como se pode evitar esse tipo de alimento?
CR: Nós tivemos uma palestra brilhante do professor Carlos Monteiro, que foi um dos maiores responsáveis pela mudança do Guia Alimentar Brasileiro. Ele, corajosamente, mudou o foco de nutrientes para produtos, para os alimentos como um todo. A classificação dos alimentos em termos de processamento é muito importante, porque a gente está vendo é a dieta das pessoas ser cada vez mais baseada em produtos ultraprocessados.
Sul21 – A qualidade do alimento é mais importante para a saúde do que o tipo de nutrientes?
CR: Em termos de guia alimentar para a população geral, é isso que está se constatando. Em vez de as pessoas ficarem preocupadas com ‘tanto de proteína’, ‘tanto de carboidrato’, ‘tanto de vitaminas’, nutrientes base dos alimentos, o que o guia alimentar está dizendo é que os alimentos ultraprocessados não têm nada disso. Então, evite os alimentos ultraprocessados. Isso já é um avanço muito grande, porque as pessoas não são especialistas em nutrição, mas sabem o que comem no dia a dia. É muito mais fácil identificar produtos ultraprocessados. Produtos processados, você pode comer, mas não coma tanto. Coma mais os produtos in natura e minimamente processados.
Especialista em segurança alimentar, Cecília Rocha defende dietas que evitem produtos ultraprocessados | Foto: Joana Berwanger/Sul21
Sul21 – Qual a diferença entre processados e ultraprocessados?
CR: Claro que processar alimento é importante, porque você torna alguns alimentos possíveis de serem consumidos. Você vai cozinhar o arroz, vai cozinhar a carne. Isso é processamento, minimamente processados quer dizer isso. E tem alguns processamentos industriais que são importantes, tudo bem. O que a gente não precisa são produtos ultraprocessados, que, na verdade, são criações químicas, que não estão simplesmente sendo processados para serem preservados e consumidos humanamente. São criações que têm uma porção de coisas, aditivos, corantes, que não são necessárias para o consumo de produtos básicos.
Sul21 – Quais são os maiores vilões entre os ultraprocessados, aqueles que as pessoas têm que evitar?
CR: Os exemplos clássicos são os chamados cereais matutinos, Sucrilhos, essas coisas assim. Batata-frita em pacote, biscoitos que contém muito açúcar. Em geral, são produtos que têm um alto conteúdo de coisas químicas, corantes e aditivos, uma quantia muito grande de açúcar, de sal e de gordura, o que nós não precisamos e que nos faz mal.
Sul21 – Quais os danos que esses produtos causam à saúde?
CR: Você já tem uma porção de estudos falando disso, mas a preocupação principal hoje em dia é com o sobrepeso e com a obesidade. Por quê? Porque houve um aumento muito grande nesses últimos anos, assim como teve um aumento muito grande no consumo dos produtos ultraprocessados. Claro que sobrepeso e obesidade sempre existiram porque há um componente genético também nas pessoas, mas esse aumento dos últimos anos não se justifica com a situação genética da população, então tem vínculo com o consumo. Qual o problema do aumento do sobrepeso e da obesidade? Eles estão associados com doenças crônicas, cardíacas, diabetes, cânceres. Então, você fica numa situação em que a dieta populacional, mudando dessa maneira, cria problemas muito sérios de saúde pública. Problemas não só individuais, para as famílias em que isso acontece, mas em termos de custos para a saúde pública. Os hospitais, o SUS, estão lidando cada vez mais com problemas que poderiam ser prevenidos com dietas diferentes
Sul21 – Tem uma questão importante que é a econômica. Produtos in natura, orgânicos, têm um preço adicional, o que tem a ver com o modo de produção. Então, as camadas mais pobres têm menos acesso a produtos de maior qualidade. Como se transforma esse cenário para que as pessoas mais vulneráveis não sejam tão dependentes de produtos ultraprocessados?
CR: Nós precisamos de políticas públicas que entendam esse problema. Quando você diz que o preço de um produto orgânico, in natura, é mais caro que o saquinho de batata-frita que a pessoa vai comprar, é real. Mas por quê? Porque os custos do saquinho de batata-frita não estão incluídos nesse preço. Eu digo os custos do meio ambiente, de saúde pública. Então, o preço que você tem entre o produto in natura e o saquinho de batata-frita, o produto ultraprocessado, nesses preços não estão incluindo nem os custos que o ultraprocessado tem para a sociedade, nem os benefícios que o produto in natura tem. Então, você precisa de políticas públicas para mudar essa relação de preço. Precisa de políticas públicas que falem que consumir essa quantidade de refrigerantes está criando problemas para a sociedade. Alguns países estão colocando impostos nesses produtos. O Chile criou um imposto para ultraprocessados, para ver se o preço desses produtos agora reflete o custo real para a sociedade. Quando você faz esse equilíbrio, os ultraprocessados vão começar a refletir aqueles custos adicionais.
Sul21 – Qual a diferença entre processados e ultraprocessados?
CR: Claro que processar alimento é importante, porque você torna alguns alimentos possíveis de serem consumidos. Você vai cozinhar o arroz, vai cozinhar a carne. Isso é processamento, minimamente processados quer dizer isso. E tem alguns processamentos industriais que são importantes, tudo bem. O que a gente não precisa são produtos ultraprocessados, que, na verdade, são criações químicas, que não estão simplesmente sendo processados para serem preservados e consumidos humanamente. São criações que têm uma porção de coisas, aditivos, corantes, que não são necessárias para o consumo de produtos básicos.
Sul21 – Quais são os maiores vilões entre os ultraprocessados, aqueles que as pessoas têm que evitar?
CR: Os exemplos clássicos são os chamados cereais matutinos, Sucrilhos, essas coisas assim. Batata-frita em pacote, biscoitos que contém muito açúcar. Em geral, são produtos que têm um alto conteúdo de coisas químicas, corantes e aditivos, uma quantia muito grande de açúcar, de sal e de gordura, o que nós não precisamos e que nos faz mal.
Sul21 – Quais os danos que esses produtos causam à saúde?
CR: Você já tem uma porção de estudos falando disso, mas a preocupação principal hoje em dia é com o sobrepeso e com a obesidade. Por quê? Porque houve um aumento muito grande nesses últimos anos, assim como teve um aumento muito grande no consumo dos produtos ultraprocessados. Claro que sobrepeso e obesidade sempre existiram porque há um componente genético também nas pessoas, mas esse aumento dos últimos anos não se justifica com a situação genética da população, então tem vínculo com o consumo. Qual o problema do aumento do sobrepeso e da obesidade? Eles estão associados com doenças crônicas, cardíacas, diabetes, cânceres. Então, você fica numa situação em que a dieta populacional, mudando dessa maneira, cria problemas muito sérios de saúde pública. Problemas não só individuais, para as famílias em que isso acontece, mas em termos de custos para a saúde pública. Os hospitais, o SUS, estão lidando cada vez mais com problemas que poderiam ser prevenidos com dietas diferentes
Sul21 – Tem uma questão importante que é a econômica. Produtos in natura, orgânicos, têm um preço adicional, o que tem a ver com o modo de produção. Então, as camadas mais pobres têm menos acesso a produtos de maior qualidade. Como se transforma esse cenário para que as pessoas mais vulneráveis não sejam tão dependentes de produtos ultraprocessados?
CR: Nós precisamos de políticas públicas que entendam esse problema. Quando você diz que o preço de um produto orgânico, in natura, é mais caro que o saquinho de batata-frita que a pessoa vai comprar, é real. Mas por quê? Porque os custos do saquinho de batata-frita não estão incluídos nesse preço. Eu digo os custos do meio ambiente, de saúde pública. Então, o preço que você tem entre o produto in natura e o saquinho de batata-frita, o produto ultraprocessado, nesses preços não estão incluindo nem os custos que o ultraprocessado tem para a sociedade, nem os benefícios que o produto in natura tem. Então, você precisa de políticas públicas para mudar essa relação de preço. Precisa de políticas públicas que falem que consumir essa quantidade de refrigerantes está criando problemas para a sociedade. Alguns países estão colocando impostos nesses produtos. O Chile criou um imposto para ultraprocessados, para ver se o preço desses produtos agora reflete o custo real para a sociedade. Quando você faz esse equilíbrio, os ultraprocessados vão começar a refletir aqueles custos adicionais.
Proposta de Cecília Rocha é que os custos gerados pelo consumo de ultraprocessados seja inclui no preço dos alimentos | Foto: Joana Berwanger/Sul21
Sul21 – Há na sociedade uma defesa do livre mercado, de que não se pode regular a demanda. O argumento que diz que, se a pessoa quer beber refrigerante, o governo não pode se meter. Mas, ao mesmo tempo, também se defende muito o corte de custos, a eficiência do setor público. O governo teria um papel importante em explicar os custos desses produtos e tomar mais ações?
CR: Exatamente. E não é só o governo que tem esse papel de explicar. É a sociedade como um todo, eventos como esse que estamos tendo na UFRGS. É papel dos pesquisadores explicar, é papel dos educadores, é papel de todo mundo. O livre mercado seria um conceito excelente se a gente não tivesse esses custos externos, se os preços dos produtos estivessem refletindo tudo isso. Mas, quando eles não estão, é obrigação da sociedade, é obrigação dos governos interferir no mercado. Falar: ‘olha, esse resultado não é bom para nós, não está dando certo’. Ao mesmo tempo, a ideia da interferência do Estado é porque seria injusto deixar a transformação do sistema só com os consumidores, por exemplo. Muita gente fala: ‘Ah, por que os consumidores estão escolhendo isso?’ Puxa, a vida é difícil. Eu fico pensando nos pais das crianças que só querem refrigerante, só querem doce, só querem biscoito, a dificuldade dos pais no dia a dia para controlar o que elas estão comendo. Isso é muito injusto com a sociedade. Acho que tem que haver um movimento em conjunto, sociedade, governos e, claro, tem que ter a participação da indústria de alimentos também. A indústria tem que ser convencida por meio de pressão da sociedade civil, ou por meio de políticas, para que mude as políticas dela. Por exemplo, as crianças são bombardeadas por propagandas para consumirem alimentos que não são bons para elas. A gente tem que ter um esforço conjunto para mudar esse ambiente onde esses alimentos estão sendo promovidos. Com o governo, mas também com a sociedade civil, educadores, pesquisadores, para que o cenário mude.
Sul21 – A educação alimentar deveria ter um peso maior em sala de aula para crianças?
CR: Claro. Tem muita gente fazendo isso. Acho que no Brasil, nesse movimento todo por segurança alimentar em que se mudou a legislação nacional, existe um esforço muito grande para isso, mas eu continuo afirmando que educação não é suficiente. As pessoas têm essas informações, mas devido a pressões que você têm no dia a dia, no ambiente em que você vive, não é suficiente. Você precisa de legislação e de uma pressão constante.
Sul21 – Falando em pressão, sobre agrotóxicos e transgênicos. Existe um movimento, especialmente na Europa, de cada vez mais impor barreiras para esses produtos. Temos países que até baniram a Monsanto [principal empresa do ramo dos transgênicos]. Por outro lado, no Brasil, temos visto nos últimos anos uma pressão muito forte da bancada ruralista e das grandes empresas do setor pela liberação desses mercados. Isso sempre vem acompanhado do argumento de que, sem agrotóxicos e transgênicos, não se vai conseguir ter uma produção suficiente para alimentar a população. Isso é verdade? Como transformar essa realidade?
CR: Primeiro, eu acho que não é certo colocar agrotóxico e geneticamente modificado no mesmo saco, vamos dizer assim. O Brasil é o campeão do uso de agrotóxicos e isso realmente tem que parar. Está matando muita gente, matando o meio ambiente, prejudicando a saúde das pessoas. Então, precisa de uma diminuição desse modelo, reduzir cada vez mais os agrotóxicos. Sobre os transgênicos, eles se colocam como uma alternativa para isso. A minha questão não é em ser transgênico, acho que essa tecnologia já ajudou em muita coisa e pode ajudar muito mais. A minha questão com os transgênicos é deles serem dominados só por algumas empresas e é isso que a gente vê no sistema alimentar, a dominação por poucas empresas. O monopólio cria milhões de problemas, porque essas empresas começam a ter um poder muito grande. São empresas maiores que muitos governos, muitos países, então têm um poder muito grande de influenciar como as cosias são feitas. Então, para mim, a questão é a seguinte, tem evidência mais do que suficiente de que agrotóxico nessa escala que o Brasil usa não é necessário.
No lugar disso, nós estamos avançando muito na pesquisa e na promoção do que se chama agroecologia, onde hoje não se usa transgênicos. Eu não vejo como um problema os transgênicos, mas como uma alternativa que se tem. A argumentação de que você precisa de uma agricultura com altos níveis de agrotóxicos para produzir alimentos para todo mundo, isso já está mais do que provado que não é necessário, porque o aumento populacional está decrescendo. Claro que vai continuar crescendo ainda, mas já estamos vendo que não vai crescer exponencialmente como se achava antigamente. E mais e mais tem pesquisas vendo que a gente não precisa dessa escala de produção.
Pega a questão da produção de alimento animal. Ninguém precisa consumir carne como nesse aumento dos últimos anos. Há cinquenta anos, ninguém consumia carne dessa maneira. Você nem precisa chegar ao ponto de defender uma dieta vegetariana, precisa só falar que o jeito que estamos consumindo carne não é necessário. Na verdade, é prejudicial à nossa saúde. Podemos diminuir isso. A diminuição da produção de carne e do jeito que é consumida já vai, não só ajudar a saúde, ajudar na preservação do meio ambiente. Então, o que a gente precisa é de uma mudança nessa escala de produção que é baseada num modelo de monocultura com muito agrotóxico, para um mais diversificado, diminuir o consumo de alimento animal, que faz mal para a saúde e para o meio ambiente, para um modelo de agroecologia. Eu não vejo como uma coisa radical, acho que precisa de uma vontade definitiva de se diminuir a produção do jeito que ela é feita.
Sul21 – Há na sociedade uma defesa do livre mercado, de que não se pode regular a demanda. O argumento que diz que, se a pessoa quer beber refrigerante, o governo não pode se meter. Mas, ao mesmo tempo, também se defende muito o corte de custos, a eficiência do setor público. O governo teria um papel importante em explicar os custos desses produtos e tomar mais ações?
CR: Exatamente. E não é só o governo que tem esse papel de explicar. É a sociedade como um todo, eventos como esse que estamos tendo na UFRGS. É papel dos pesquisadores explicar, é papel dos educadores, é papel de todo mundo. O livre mercado seria um conceito excelente se a gente não tivesse esses custos externos, se os preços dos produtos estivessem refletindo tudo isso. Mas, quando eles não estão, é obrigação da sociedade, é obrigação dos governos interferir no mercado. Falar: ‘olha, esse resultado não é bom para nós, não está dando certo’. Ao mesmo tempo, a ideia da interferência do Estado é porque seria injusto deixar a transformação do sistema só com os consumidores, por exemplo. Muita gente fala: ‘Ah, por que os consumidores estão escolhendo isso?’ Puxa, a vida é difícil. Eu fico pensando nos pais das crianças que só querem refrigerante, só querem doce, só querem biscoito, a dificuldade dos pais no dia a dia para controlar o que elas estão comendo. Isso é muito injusto com a sociedade. Acho que tem que haver um movimento em conjunto, sociedade, governos e, claro, tem que ter a participação da indústria de alimentos também. A indústria tem que ser convencida por meio de pressão da sociedade civil, ou por meio de políticas, para que mude as políticas dela. Por exemplo, as crianças são bombardeadas por propagandas para consumirem alimentos que não são bons para elas. A gente tem que ter um esforço conjunto para mudar esse ambiente onde esses alimentos estão sendo promovidos. Com o governo, mas também com a sociedade civil, educadores, pesquisadores, para que o cenário mude.
Sul21 – A educação alimentar deveria ter um peso maior em sala de aula para crianças?
CR: Claro. Tem muita gente fazendo isso. Acho que no Brasil, nesse movimento todo por segurança alimentar em que se mudou a legislação nacional, existe um esforço muito grande para isso, mas eu continuo afirmando que educação não é suficiente. As pessoas têm essas informações, mas devido a pressões que você têm no dia a dia, no ambiente em que você vive, não é suficiente. Você precisa de legislação e de uma pressão constante.
Sul21 – Falando em pressão, sobre agrotóxicos e transgênicos. Existe um movimento, especialmente na Europa, de cada vez mais impor barreiras para esses produtos. Temos países que até baniram a Monsanto [principal empresa do ramo dos transgênicos]. Por outro lado, no Brasil, temos visto nos últimos anos uma pressão muito forte da bancada ruralista e das grandes empresas do setor pela liberação desses mercados. Isso sempre vem acompanhado do argumento de que, sem agrotóxicos e transgênicos, não se vai conseguir ter uma produção suficiente para alimentar a população. Isso é verdade? Como transformar essa realidade?
CR: Primeiro, eu acho que não é certo colocar agrotóxico e geneticamente modificado no mesmo saco, vamos dizer assim. O Brasil é o campeão do uso de agrotóxicos e isso realmente tem que parar. Está matando muita gente, matando o meio ambiente, prejudicando a saúde das pessoas. Então, precisa de uma diminuição desse modelo, reduzir cada vez mais os agrotóxicos. Sobre os transgênicos, eles se colocam como uma alternativa para isso. A minha questão não é em ser transgênico, acho que essa tecnologia já ajudou em muita coisa e pode ajudar muito mais. A minha questão com os transgênicos é deles serem dominados só por algumas empresas e é isso que a gente vê no sistema alimentar, a dominação por poucas empresas. O monopólio cria milhões de problemas, porque essas empresas começam a ter um poder muito grande. São empresas maiores que muitos governos, muitos países, então têm um poder muito grande de influenciar como as cosias são feitas. Então, para mim, a questão é a seguinte, tem evidência mais do que suficiente de que agrotóxico nessa escala que o Brasil usa não é necessário.
No lugar disso, nós estamos avançando muito na pesquisa e na promoção do que se chama agroecologia, onde hoje não se usa transgênicos. Eu não vejo como um problema os transgênicos, mas como uma alternativa que se tem. A argumentação de que você precisa de uma agricultura com altos níveis de agrotóxicos para produzir alimentos para todo mundo, isso já está mais do que provado que não é necessário, porque o aumento populacional está decrescendo. Claro que vai continuar crescendo ainda, mas já estamos vendo que não vai crescer exponencialmente como se achava antigamente. E mais e mais tem pesquisas vendo que a gente não precisa dessa escala de produção.
Pega a questão da produção de alimento animal. Ninguém precisa consumir carne como nesse aumento dos últimos anos. Há cinquenta anos, ninguém consumia carne dessa maneira. Você nem precisa chegar ao ponto de defender uma dieta vegetariana, precisa só falar que o jeito que estamos consumindo carne não é necessário. Na verdade, é prejudicial à nossa saúde. Podemos diminuir isso. A diminuição da produção de carne e do jeito que é consumida já vai, não só ajudar a saúde, ajudar na preservação do meio ambiente. Então, o que a gente precisa é de uma mudança nessa escala de produção que é baseada num modelo de monocultura com muito agrotóxico, para um mais diversificado, diminuir o consumo de alimento animal, que faz mal para a saúde e para o meio ambiente, para um modelo de agroecologia. Eu não vejo como uma coisa radical, acho que precisa de uma vontade definitiva de se diminuir a produção do jeito que ela é feita.
Professora brasileira radicada no Canadá aposta na agroecologia para superar o atual sistema alimentar | Foto: Joana Berwanger/Sul21
Sul21 – Quais são as vantagens da agroecologia para a saúde das pessoas?
CR: A agroecologia propõe que a produção de alimentos não precisa dos agrotóxicos que usamos hoje, que pode ser uma produção de menos monocultura e de mais diversidade, uma agricultura que use mais os recursos ambientais como insumos em vez de recursos químicos, e promova uma agricultura que tem um equilíbrio na vida humana. Não é só uma técnica de produção, mas também um movimento para se mudar o nosso modo de vida, como a sociedade rural é hoje em dia. É uma proposta de alternativa ao que se tem hoje. O que eu digo é, vamos pegar essas propostas e ir reduzindo o modelo que temos hoje para que chegamos em um novo que a gente queira para o futuro.
Sul21 – Nesses princípios, o caminho para uma alimentação mais saudável seria o da diversificação alimentar?
CR: Certamente. Os nutricionistas estão falando há anos sobre a diversidade nutricional, mas o importante é que hoje em dia a gente já fala que os produtos ultraprocessados não precisam ser parte dessa diversidade. E a diversidade na agricultura também. Então, a gente vê que a diversidade como um conceito para a sociedade toda, tanto no consumo, quanto na produção, ou mesmo nas organizações, nas pessoas, ambiente de trabalho, amigos, é um conceito que resume a mudança que a gente quer no sistema.
Sul21 – Algo a acrescentar?
CR: Como eu moro e trabalho no Canadá, tenho uma carreira internacional, eu gostaria de dizer que o Brasil é visto como um país inovador nessa área. É claro, também é campeão no agronegócio, monocultura, tudo isso, mas é um país que demonstra muita inovação em políticas públicas, em propostas, em movimentos sociais. Eu acho que a gente não devia perder isso. Tem muita gente lá fora que olha para o Brasil e se inspira. O Fome Zero é inspirador de muitas políticas de muitos países, a questão da movimentação da sociedade civil e participação na construção de políticas é muito bem vista, o Guia Alimentar, acho que a gente não devia perder isso, porque é motivo de inspiração para o mundo inteiro.Cecília Rocha faz a defesa de um novo sistema alimentar baseado na diversidade | Foto: Joana Berwanger/Sul21
Sul21 – Quais são as vantagens da agroecologia para a saúde das pessoas?
CR: A agroecologia propõe que a produção de alimentos não precisa dos agrotóxicos que usamos hoje, que pode ser uma produção de menos monocultura e de mais diversidade, uma agricultura que use mais os recursos ambientais como insumos em vez de recursos químicos, e promova uma agricultura que tem um equilíbrio na vida humana. Não é só uma técnica de produção, mas também um movimento para se mudar o nosso modo de vida, como a sociedade rural é hoje em dia. É uma proposta de alternativa ao que se tem hoje. O que eu digo é, vamos pegar essas propostas e ir reduzindo o modelo que temos hoje para que chegamos em um novo que a gente queira para o futuro.
Sul21 – Nesses princípios, o caminho para uma alimentação mais saudável seria o da diversificação alimentar?
CR: Certamente. Os nutricionistas estão falando há anos sobre a diversidade nutricional, mas o importante é que hoje em dia a gente já fala que os produtos ultraprocessados não precisam ser parte dessa diversidade. E a diversidade na agricultura também. Então, a gente vê que a diversidade como um conceito para a sociedade toda, tanto no consumo, quanto na produção, ou mesmo nas organizações, nas pessoas, ambiente de trabalho, amigos, é um conceito que resume a mudança que a gente quer no sistema.
Sul21 – Algo a acrescentar?
CR: Como eu moro e trabalho no Canadá, tenho uma carreira internacional, eu gostaria de dizer que o Brasil é visto como um país inovador nessa área. É claro, também é campeão no agronegócio, monocultura, tudo isso, mas é um país que demonstra muita inovação em políticas públicas, em propostas, em movimentos sociais. Eu acho que a gente não devia perder isso. Tem muita gente lá fora que olha para o Brasil e se inspira. O Fome Zero é inspirador de muitas políticas de muitos países, a questão da movimentação da sociedade civil e participação na construção de políticas é muito bem vista, o Guia Alimentar, acho que a gente não devia perder isso, porque é motivo de inspiração para o mundo inteiro.Cecília Rocha faz a defesa de um novo sistema alimentar baseado na diversidade | Foto: Joana Berwanger/Sul21
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